Por Fran Pacheco
Proferir uma frase lapidar, pouco
antes de vestir o paletó de madeira não é tarefa para qualquer um. Mesmo
grandes cabeças, como Sócrates, podem legar aos pósteros uma sentença insossa
como: “Devo um galo a Esclépio.” Talvez o velho amigo dos
efebos já estivesse mais pra lá do que pra cá, sob efeito daquela overdose de
cicuta.
Ao contrário do veneno grego, a
decapitação pareceu inspirar melhor os pescoços famosos. O revolucionário
francês Georges Jacques Danton, ao subir no cadafalso, sugeriu todo cheio de si
para o carrasco: “Não deixe de mostrar minha cabeça ao povo. Por muito
tempo não verão nada igual!”. Já Sir Walter Raleigh, no que viu o tamanho
do machado do verdugo, manteve a fleugma britânica e ponderou: “É
deveras um remédio violento. Mas cura qualquer doença.”
Luís XVI desejou magnânimo, aos
ex-súditos que se acotovelavam na Place de La Concorde para ver sua régia
cabeça rolar no balde: “Que o meu sangue possa cimentar a vossa
felicidade.” Já Ana Bolena, quando deitou a delicada cabecinha no
cepo, suspirou: “O carrasco é muito experiente, eu espero. Meu pescoço
é muito fino.” E a pequena disse adeus ao Mundo.
A presunção mortuária de Danton só
perde para a de Nero, que manteve seu estilo bufônico até na hora de esticar o
pernil: “Qualis artifix pereo!” Traduzindo, para quem não teve
Latim na escola: “Que grande artista o mundo perde!”. Há, no
entanto, quem jure de pés juntos que o piromaníaco romano tenha dito “que
grande artista morre dentro de mim” – para em seguida entregar a alma
sebosa a Júpiter.
Lord Byron, poeta e devasso, fez
saber que ia puxar um ronco. E defuntou. Uma empulhação histórica transformou
seu aviso banal no pomposo “É chegada a ocasião de descansar!” Mais
ou menos o que aconteceu ao general francês Cambronne, que cercado pelos ingleses
em Waterloo, mandou todos à“Merda!” Seu impropério ficou
registrado, inclusive em sua estátua, como “A Guarda morre mas não se
entrega!”
“Estou muito mal.” – sussurrou o nibelungo Richard Wagner para sua
esposa, Cosima Liszt. Estava mesmo, tanto que logo em seguida bateu a alcatra
na terra ingrata.
Quem também sentiu que a coisa estava
mais preta que a asa da graúna foi o alagoano Graciliano Ramos, que
declarou: “Estou acabado.” – e não “Mamãezinha!”,
como querem muitos. Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, ao contrário do que
reza o senso comum, não se despediu com o “Fulana, estou apagando”,
que é a cara dele. Simplesmente pediu que a empregada não o espiasse, pouco
antes de espichar a canela.
Quem se manteve fiel ao seu estilo
foi Oscar Wilde. Nem na hora de comer capim pela raiz desperdiçou um witticism.
Pediu um champanha e comentou: “Morro como sempre vivi. Além das minhas
posses.” E nada mais falou.
“Como foi a venda de ingressos hoje
no Madison Square Garden?”, perguntou o
empresário do circo de horrores, P.T. Barnum (que nos legou a máxima “nasce
um otário a cada minuto”). Antes de receber o balanço da bilheteria,
feneceu. O Visconde de Taunay foi cavalheiro até na hora de bafuntar: “Chegou
a morte. Devemos tirar-lhe o chapéu.” Tirou e, ato contínuo, vestiu o
pijama de madeira. “Mais luz!”, clamou Goethe – e apagou.
Thomas Carlyle ficou decepcionado (ou
aliviado), na hora de deixar a casca: “Então morrer é assim? Ora...”. O
verborrágico James Joyce foi sucinto e desabafou: “Será que ninguém me
entende?" Pergunta que caberia melhor ao farewell de
Albert Einstein. Quando embarcou dessa para a melhor, o gênio linguarudo
proferiu suas últimas palavras em alemão. A enfermeira, americana, não entendeu
patavinas. Essa vamos ficar devendo.