quarta-feira, 6 de junho de 2012

Na Hora da Indesejada



Por Fran Pacheco

Proferir uma frase lapidar, pouco antes de vestir o paletó de madeira não é tarefa para qualquer um. Mesmo grandes cabeças, como Sócrates, podem legar aos pósteros uma sentença insossa como: “Devo um galo a Esclépio.” Talvez o velho amigo dos efebos já estivesse mais pra lá do que pra cá, sob efeito daquela overdose de cicuta.

Ao contrário do veneno grego, a decapitação pareceu inspirar melhor os pescoços famosos. O revolucionário francês Georges Jacques Danton, ao subir no cadafalso, sugeriu todo cheio de si para o carrasco: “Não deixe de mostrar minha cabeça ao povo. Por muito tempo não verão nada igual!”. Já Sir Walter Raleigh, no que viu o tamanho do machado do verdugo, manteve a fleugma britânica e ponderou: “É deveras um remédio violento. Mas cura qualquer doença.”

Luís XVI desejou magnânimo, aos ex-súditos que se acotovelavam na Place de La Concorde para ver sua régia cabeça rolar no balde: “Que o meu sangue possa cimentar a vossa felicidade.” Já Ana Bolena, quando deitou a delicada cabecinha no cepo, suspirou: “O carrasco é muito experiente, eu espero. Meu pescoço é muito fino.” E a pequena disse adeus ao Mundo.

A presunção mortuária de Danton só perde para a de Nero, que manteve seu estilo bufônico até na hora de esticar o pernil: “Qualis artifix pereo!” Traduzindo, para quem não teve Latim na escola: “Que grande artista o mundo perde!”. Há, no entanto, quem jure de pés juntos que o piromaníaco romano tenha dito “que grande artista morre dentro de mim” – para em seguida entregar a alma sebosa a Júpiter.

Lord Byron, poeta e devasso, fez saber que ia puxar um ronco. E defuntou. Uma empulhação histórica transformou seu aviso banal no pomposo “É chegada a ocasião de descansar!” Mais ou menos o que aconteceu ao general francês Cambronne, que cercado pelos ingleses em Waterloo, mandou todos à“Merda!” Seu impropério ficou registrado, inclusive em sua estátua, como “A Guarda morre mas não se entrega!”

“Estou muito mal.” – sussurrou o nibelungo Richard Wagner para sua esposa, Cosima Liszt. Estava mesmo, tanto que logo em seguida bateu a alcatra na terra ingrata.

Quem também sentiu que a coisa estava mais preta que a asa da graúna foi o alagoano Graciliano Ramos, que declarou: “Estou acabado.” – e não “Mamãezinha!”, como querem muitos. Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, ao contrário do que reza o senso comum, não se despediu com o “Fulana, estou apagando”, que é a cara dele. Simplesmente pediu que a empregada não o espiasse, pouco antes de espichar a canela.

Quem se manteve fiel ao seu estilo foi Oscar Wilde. Nem na hora de comer capim pela raiz desperdiçou um witticism. Pediu um champanha e comentou: “Morro como sempre vivi. Além das minhas posses.” E nada mais falou.

“Como foi a venda de ingressos hoje no Madison Square Garden?”, perguntou o empresário do circo de horrores, P.T. Barnum (que nos legou a máxima “nasce um otário a cada minuto”). Antes de receber o balanço da bilheteria, feneceu. O Visconde de Taunay foi cavalheiro até na hora de bafuntar: “Chegou a morte. Devemos tirar-lhe o chapéu.” Tirou e, ato contínuo, vestiu o pijama de madeira. “Mais luz!”, clamou Goethe – e apagou.

Thomas Carlyle ficou decepcionado (ou aliviado), na hora de deixar a casca: “Então morrer é assim? Ora...”. O verborrágico James Joyce foi sucinto e desabafou: “Será que ninguém me entende?" Pergunta que caberia melhor ao farewell de Albert Einstein. Quando embarcou dessa para a melhor, o gênio linguarudo proferiu suas últimas palavras em alemão. A enfermeira, americana, não entendeu patavinas. Essa vamos ficar devendo.