Após revelar com estardalhaço ao CANDIRU que foi abusado por índias icamiabas durante a conquista do Acre, Fran Pacheco – finado arquimandrita do Club dos Terríveis – ressurgiu literalmente dos mortos e sua agenda anda mais concorrida que o Nextel do Cachoeira, nos áureos tempos. Entre uma sessão espírita e outra de consolo a viúvas, conseguimos encaixar uma breve entrevista com o velho anarquista da Praça dos Bondes:
CANDIRU: Se o Sr. estivesse preso no mundo retratado em “Fahrenheit 451”, que livro quereria ser?
FRAN: O entrecho desse livro me causa calafrios.
Ficar confinado numa fazenda em que as pessoas pensam que são livros? Eu
tentaria fugir de qualquer maneira de lá! Imagine o suplício de viver
ao lado de um sujeito que cisma em ser o “Benjamim”, do Chico Buarque?
Ou de um cara que recita sem parar os “Marimbondos de Fogo”, do Sarney,
ou qualquer coisa do Autran Dourado, do Josué Montello, Affonso Romano
de Santana, Fernanda Iângue, Marilena Chauí, Fernando Gabeira, Roberto
Drummond, Patrícia Melo, Jô Soares, Tony Belotto, Fernando Bonassi, José
Miguel Wisnique, Nelson Motta, Fernando Morais, Leonardo Boff, Frei
Betto, Lair Ribeiro, Robério Braga... Chega, chega! Azarado como eu,
acabaria tendo como vizinho o catatau de 1.149 páginas “Socialismo, uma
Utopia Cristã” (sic), do Procurador da República Luís Francisco, o
Anormal do Parquet. Além de andar num Fusca 82, ganhando R$ 25 mil por
mês, a criatura repete parágrafos, páginas inteiras, várias vezes no
decorrer de sua cosmogonia.
Imagine o pesadelo: como ter descanso com a
verborragia dos gêmeos briguentos “Guerra” e “Paz”, “Crime” e “Castigo”,
“O Ser” e “O Nada”, dos mulambos “O Vermelho” e “O Negro”? Como
suportar o pedantismo enciclopédico da Sra. “Brittanica”, sempre batendo
boca com a Madame “Larrousse”? Eu imploraria por conhecer a “Lolita” e
me apresentariam a um russo baixinho e meio careca. E os sujeitos que
pensam ser livros de poesia? Os líricos, vestidos de faunos e libélulas.
Os da marginália, queimando mato. Os satíricos, passando a mão na tua
bunda. “Quem é aquele anão?”, “É um Haicai”. E os concretistas,
entortando as articulações do corpo para reproduzir as travessuras
logográficas dos Irmãos Campos? Não, não queria nunca tomar parte
nisso...
Mas, tudo bem, sejamos pragmáticos e menos
casmurros. Como não haveria escapatória possível, eu seria “Fernão
Capelo Gaivota”, para decorar fácil e ser muito requisitado pelas misses
de plantão.
CANDIRU: O Sr. já alguma vez ficou perturbado por uma personagem de ficção?
FRAN: Quando eu era pequeno, bem pequerrucho,
encontrei na escrivaninha de meu severo genitor, ao lado do açoite, uma
luxuosa edição de um livro... acho que indiano... ricamente ilustrado,
com muitas pessoas nos quartos, jardins e piscinas de um grande palácio,
fazendo coisas... muito esquisitas, todo mundo nu, mulheres brincando
com a “pipoquinha” do Rajá, o Rajá brincando com doze súditas ao mesmo
tempo, gente de cabeça(s) para baixo. Aquilo me marcou tanto que não
consigo pronunciar o nome do livro. Que livro era aquele, mesmo?...
“Ganga Zumba”?
CANDIRU: Qual foi o último livro que o Sr. comprou?
FRAN: Nunca comprei livros, isso é coisa de
burguês. Minha parada sempre foi ficar em pé, bem discreto, fazendo
leitura dinâmica na banca ou na livraria, antes que um vendedor me
importunasse. Foi nesse esquema que li os 7 volumes de “Em Busca do
Tempo Perdido”, que acho ter alguma coisa a ver com madeleines.
Outros recursos úteis eram o escambo, a doação
feita por amigos terminais e principalmente a expropriação, ainda que
discreta. Nada pior do que livros mofando nas estantes da lúmpen-bourgeoisie.
Os felizes proprietários de estantes de mogno abarrotadas fazem ideia
do quão caro é um livro zero quilômetro? Acham que um pai de família
proletário com várias bocas para alimentar pode se dar ao luxo de pagar
50 pilas em best-seller que vai passar no cinema por 10 mangos? Os sebos
do país imploram por livros. E para os abastados que só compram livro
zero-km, uma dica aritmética: só pague dez centavos por página. Mais do
que isso é roubo.
CANDIRU: Quais foram os últimos livros que o Sr. leu?
FRAN: Ah, minha filha, faz tanto tempo...
Barbosinha, o Ruy, ainda estava apanhando na caligrafia. O Tronco do Ypê
ainda era uma modesta mudinha. A maioria dos “modernos” ainda estava
para ser concebida em pecado. Acho que foi a 1ª edição de “A Origem das
Espécies”, que afanei numa tarde de autógrafos. Tenho sérias refutações
às ideias tresloucadas de Mr. Darwin, mas tudo bem. Também recebi com
entusiasmo um inquietante conto do Sr. Allan Poe, publicado no Graham’s
Magazine, intitulado “The Murders in The Rue Morgue” – creio que a
sacada do Sr. Poe, de conduzir-nos à solução de um crime misterioso, vai
dar samba e quem sabe iniciar um novo gênero literário.
CANDIRU: Que livro estás a ler?
FRAN: Uma batelada. Gosto de ler muitos livros ao
mesmo tempo, espalhados pela mesa, passando de um para outro a esmo. O
único problema é que tudo se mistura na minha cabeça e até hoje confundo
Heidegger com Steinhegger. Por isso, agora me concentro num só tema de
cada vez. Estou a ler “Ruminando o Código Da Vinci”,“A Volta do Código
Da Vinci”, “O Filho do Código Da Vinci”, “O Irmão Mais Esperto do Código
Da Vinci” e “O Código Da Vinci Vs. Operação Cavalo de Tróia”.
CANDIRU: Que livro levarias para uma ilha deserta?
FRAN: Se considerarmos uma coleção encadernada de
Playboys dos anos 70, 80 e 90 como “livros”, e ficando restrito a um, eu
bateria o martelo na caixa “Anos 80” (a basta performance de Cláudia
Ohxana, digo, Ohana desequilibra qualquer disputa). Afinal, a ilha é
deserta, mas o desejo é infinito. Qualquer outra coisa, estilo “Manual
do Escoteiro Mirim”, “Robinson Crusoé”, ou “Como Ser McGyver” me
entediaria em cinco dias e eu me lançaria ao mar recitando a “Ode Naval”
do Fernando.
CANDIRU: Estamos meio que em falta de
intelectuais nesta cidade. A maioria foi para o Canadá e os que ficaram
estão sempre bêbados ou batendo ponto em repartição. O Sr. poderia nos
indicar cinco nomes para repassarmos estas perguntas?
FRAN (desaparecendo): Procurem o Irmão Paulo, que
leu cinco quilômetros a mais de livros do que eu. E aproveitem que ele
está em fase “paz e amor”. Tentem um plá com o Cecezinho, um erudito de
escol, para ele se mancar e voltar a elevar o nível desse terreiro. E
aquele velho comunista cheio de ideias na cabeça, que está prefeito, por
mera curiosidade. Se ele estiver no país, claro. Perdi a conta?