quarta-feira, 9 de maio de 2012

Edgard - um conto macabro...

 

Fran Pacheco


Preso no engarrafamento de volta para casa, Edgard decidiu relaxar e ouvir um CD. Descobriu que a mulher trocara o disquinho de Jazz (“The Very Best of John Coltrane”) pelo “A Bíblia na Voz de Cid Moreira – Vol. XIX”. Tudo bem que Cid falasse ex cathedra, com conhecimento ao vivo dos acontecimentos narrados, mas aquela voz tonitruante – plena de eco e vibrattos de estúdio – soou para Edgard como todo o poder e a fúria de Jeová contra algo que ele, pobre Edgard, fizera mas ainda não confessara a si próprio. O mais desconfortante para o pecador Edgard era a sensação iminente de que, no meio do Deuteronômio, Cid fosse tascar um “Mister M, você é mesmo espada!”. Edgard, perdido na vida, moralmente esmagado pelo vozeirão do homem com o maior saldo de FGTS do país, desligou o CD e buscou abrigo em Sodoma e Gomorra – aqui representadas pela Voz do Brasil.

Chegando ao seu lar, Edgard, completamente chapado pela superexposição aos discursos parlamentares, decide ver o Jornal Nacional. Não que ele procurasse por mais Brasília ou pelo espectro zombeteiro de Cid em algum desvão do cenário futurista. Edgard queria ver a Patrícia Poeta e gols. Nada de política, não, nunca mais. Só a Poeta e o futebol, que é o Grande Nada, a irrelevância em chuteiras, um vício contraído antes da idade da razão, mas que para Edgard era algo bom e que o fazia sentir-se bem.

Poeta: “E a seguir os gols da rodada! Voltamos em trinta minutos...”

Bonner: “...logo após a propaganda partidária obrigatória...”

Edgard mal teve forças para se levantar do puff em que estava refestelado. Por suas pupilas entraram, implacáveis, rapaces, imagens promocionais do petebê, o decano das agremiações fisiologistas do país. Há poucos dias o mesmo Edgard fora exposto a trinta minutos de DEM, o sumidouro moral da nação. E, pouco antes, a um partido nanico capitaneado por um macabro Dr. Mangabeira. Mas era o petebê quem dominava os sentidos do imóvel Edgard. “Conheço esse papagaio-de-pirata que está sorrindo no meio dos ribeirinhos e puxando o saco do governador”, tremeu-se. Era o “Colecionador”, assim chamado por seu invejável acervo de CPFs. “Ele está a apenas um testículo de distância do Governo!”

Edgard, enojado, desviou o olhar para a janela. Carlos Lacerda estava lá, aboletado no parapeito, resmungando “chem-chem”, espanando as pequenas asas pretas. Edgard, tomado pelo horror, tentou chamar pela esposa, “Sônia, Sônia!”, mas a língua já estava enrolada. Incapaz de fechar os olhos, seu derradeiro movimento voluntário foi em direção à TV. Não conseguiu mais desviar o olhar daquela propaganda política. Ouviu apenas o corvo Lacerda crocitar a sentença fatal:

“Libertar-se-á de nós nunca mais. Nunca mais. Nunca mais...”