quarta-feira, 30 de maio de 2012

“Laissez-Faire” para principiantes...


Fran Pacheco

Pra quem cabulava a aula de francês, pronuncia-se Léssê Fér. É um termo cunhado pelos Fisiocratas do séc. XVIII, que significa “deixa rolar”. Tornou-se lema do Capitalismo Liberal, o original, ao propor o fim de qualquer intervenção do Estado nos negócios das empresas privadas. Baseava-se na duvidosa premissa de que um patrão é menos filho da puta do que um burocrata.

A ideia foi implementada em 1885, no Estado Livre do Congo, quando o país inteiro foi transformado numa empresa de propriedade particular do monarca Leopoldo II, rei dos belgas. A sede da Companhia ficava em Leopoldville – atual Kinshasa. Não foi por acaso que Joseph Conrad escreveu “O Coração das Trevas” após ter passado uma temporada dos infernos por lá. E o que Copolla filmou na sua transcriação indochinesa da novela é fichinha perto do que o velho Leopoldo aprontou.

Pra começar, o desemprego no “Estado Livre” foi sumariamente erradicado, pois todos os congoleses tornaram-se não mais cidadãos, mas funcionários arregimentados da seguinte forma: o setor de RH da Companhia enviava mercenários (headhunters, na moderna terminologia de Wall Street) que sequestravam as mulheres e crianças das aldeias. Os homens tinham que trabalhar no mínimo 7 dias por semana, embrenhados na selva, extraindo látex, óleo de copal e marfim – se não quisessem ver a família trucidada.

O pagamento pecuniário (salário) tornava-se, por este, digamos, “contrato de trabalho”, desnecessário. A baixa produtividade rendia ao funcionário uma mão ou um pé amputados, como advertência. A demissão era protocolizada com a execução sumária do ex-funcionário. Melhor não entrar em detalhes sobre o que acontecia com grevistas e anarco-sindicalistas. Misteriosamente, apesar dos fabulosos lucros do negócio, a quantidade de trabalhadores e seres humanos em geral existentes no Congo sofreu um forte “viés de baixa” durante a boca-livre da Companhia.

Com a mão-de-obra dizimada e pressionado pela grita mundial, o depravado Leopoldo, já sem ter onde enfiar tanto marfim, abandonou sua empreitada em 1908 e vendeu a carniça de volta ao Estado Belga, por 45 milhões de francos. E ainda embolsou mais 5 milhões, a título de “agradecimento pelos seus grandes sacrifícios em prol do Congo”.

O Congo é hoje isso que aí está. A memória de Leopoldo é venerada pelos belgas, que depois (felizmente) só conseguiram produzir os Smurfs. Os liberais (se é que existem verdadeiros liberais) não gostam muito de tocar no assunto.

(Extraído da “História Universal dos Filhos da Puta”)