Fran Pacheco
Pra quem cabulava a aula de francês, pronuncia-se Léssê Fér.
É um termo cunhado pelos Fisiocratas do séc. XVIII, que significa
“deixa rolar”. Tornou-se lema do Capitalismo Liberal, o original, ao
propor o fim de qualquer intervenção do Estado nos negócios das empresas
privadas. Baseava-se na duvidosa premissa de que um patrão é menos
filho da puta do que um burocrata.
A ideia foi implementada em 1885, no Estado Livre do Congo,
quando o país inteiro foi transformado numa empresa de propriedade
particular do monarca Leopoldo II, rei dos belgas. A sede da Companhia
ficava em Leopoldville – atual Kinshasa. Não foi por acaso que Joseph
Conrad escreveu “O Coração das Trevas” após ter passado uma temporada
dos infernos por lá. E o que Copolla filmou na sua transcriação
indochinesa da novela é fichinha perto do que o velho Leopoldo aprontou.
Pra começar, o desemprego no “Estado Livre” foi
sumariamente erradicado, pois todos os congoleses tornaram-se não mais
cidadãos, mas funcionários arregimentados da seguinte forma: o setor de
RH da Companhia enviava mercenários (headhunters, na moderna
terminologia de Wall Street) que sequestravam as mulheres e crianças das
aldeias. Os homens tinham que trabalhar no mínimo 7 dias por semana,
embrenhados na selva, extraindo látex, óleo de copal e marfim – se não
quisessem ver a família trucidada.
O pagamento pecuniário (salário) tornava-se, por este,
digamos, “contrato de trabalho”, desnecessário. A baixa produtividade
rendia ao funcionário uma mão ou um pé amputados, como advertência. A
demissão era protocolizada com a execução sumária do ex-funcionário.
Melhor não entrar em detalhes sobre o que acontecia com grevistas e
anarco-sindicalistas. Misteriosamente, apesar dos fabulosos lucros do
negócio, a quantidade de trabalhadores e seres humanos em geral
existentes no Congo sofreu um forte “viés de baixa” durante a boca-livre
da Companhia.
Com a mão-de-obra dizimada e pressionado pela grita
mundial, o depravado Leopoldo, já sem ter onde enfiar tanto marfim,
abandonou sua empreitada em 1908 e vendeu a carniça de volta ao Estado
Belga, por 45 milhões de francos. E ainda embolsou mais 5 milhões, a
título de “agradecimento pelos seus grandes sacrifícios em prol do
Congo”.
O Congo é hoje isso que aí está. A memória de Leopoldo é
venerada pelos belgas, que depois (felizmente) só conseguiram produzir
os Smurfs. Os liberais (se é que existem verdadeiros liberais) não
gostam muito de tocar no assunto.